Fuga para Samarcanda


Porquê falar sobre isto agora? Tempos houve em que seria fácil discorrer de forma um tanto arrogante sobre a convicção absoluta de que o destino não existe e que somos nós que construímos a nossa vida. Quando a juventude nos dá a ilusão de tudo saber, não existem obstáculos que nos impeçam de falar livremente sobre determinismo, destino, morte e outras questões que, à medida que os anos passam, se tornam mais e mais perturbadoras.
Forçando-me a pensar sobre o assunto, quem não faz constantemente a sua fuga para Samarcanda? Podemos até encarar esta questão olhando para o conjunto da humanidade e não apenas a nível individual. Cada progresso na medicina ou em qualquer outra ciência cuja finalidade seja prolongar a vida, está ou não a fintar a morte e a fugir para uma mítica Samarcanda onde o encontro fatal está marcado? Quando muito, a viagem para Samarcanda tende a ser cada vez mais demorada. Mas, sem qualquer sombra de dúvida, um dia essa viagem termina.
Mas onde fica a noção de destino, no meio de tudo isto? É difícil definir “destino”. Por vezes dizemos “estava marcado” ou “era a sua hora”. Mas, na verdade, de que forma contribuem as nossas escolhas e as dos outros que connosco interagem para essa hora? Se, numa qualquer encruzilhada, escolher um dos caminhos, será o meu destino igual ao que seria se tivesse escolhido o outro? Ou a minha livre escolha também faz parte do destino? Se o discípulo do sufi de Bagdad soubesse todas estas respostas, teria fugido da morte ou não?
Uma coisa é para mim perfeitamente clara. Gostava muito de ter resposta a estas questões antes de chegar a Samarcanda, talvez apenas para tornar a viagem mais tranquila e para ter a oportunidade de a saborear melhor. Ou talvez para não sentir a fuga e não cavalgar a uma tão grande velocidade como a mítica personagem do conto. Samarcanda estará lá sempre, qualquer que seja a velocidade a que vamos. O que importa é mesmo a viagem.

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